joao lopes
16 Jul 2015 0:23
Desde o clássico "Dont Look Back" (1967), de D. A. Pennebaker, sobre a primeira digressão eléctrica de Bob Dylan, até ao filme-concerto "Shine a Light" (2008), com Martin Scorsese a registar a energia dos Rolling Stones em palco, será que existe um género musical dedicado aos muitos rostos do rock’n’roll?…
Provavelmente, a resposta é afirmativa. Seja como for, é também um facto que o magnífico filme de Bill Pohlad sobre Brian Wilson — "Love & Mercy" (lançado com o título pouco feliz de "A Força de um Génio") — está longe de corresponder a qualquer coisa de estabilizado, formatado ou previsível.
Desde logo, claro, porque a personalidade de Brian Wilson envolve uma imensa e fascinante complexidade: do ponto de vista artístico, porque a sua liderança dos Beach Boys, consagrada nesse álbum incontornável que é "Pet Sounds" (1966), integra um capítulo essencial na história da música popular; no plano psicológico, porque Wilson (completou 73 anos no dia 20 de Junho) viveu tempos dramáticos na década de 80, manipulado por um médico que se aproveitou do seu perfil depressivo para controlar a sua vida e as suas finanças.
Depois, porque Pohlad encara essa divisão interior da personagem como o motor essencial de toda a sua história — musical ou íntima, musical e íntima. De tal modo que propõe uma solução de abordagem que, não sendo exactamente original (recorde-se a imagem multifacetada de Bob Dylan em "I’m Not There", dirigido por Todd Haynes em 2007), produz um efeito de invulgar intensidade. Assim, são dois os actores que interpretam Wilson: Paul Dano e John Cusack, respectivamente para os anos 60 de todas as experimentações de estúdio e para as atribulações psicológicas vividas na década de 80.
"Love & Mercy" consegue a proeza de se manter fiel à complexidade da figura quem retrata, resistindo sempre a qualquer formatação, seja ela psicológica ou moral. Ambos os actores são notáveis na exposição do misto de energia e fragilidade de Wilson, mas importa também sublinhar o modo como tudo isso se liga com um extremo cuidado na encenação da produção musical. Estamos muito longe dos lugares-comuns dos "making of" de muitos álbuns musicais — por uma vez, temos direito a ver e sentir a procura obstinada dos sons, com tudo o que tal procura envolve de talento, empenho e trabalho. Trabalho é a palavra a reter.