Ao contrário do que pode fazer crer uma visão tecnocrática e economicista do cinema, os filmes não se medem pelos milhões que custam ou rendem, nem pelos "efeitos especiais" que utilizam… Mais do que isso: a produção cinematográfica não é um fenómeno que se esgote nas campanhas de marketing dos últimos seis meses, quanto mais não seja porque estamos a falar de uma linguagem com uma história (imensa e fascinante) com mais de um século!
Se mais razões não houvesse, essas bastariam para continuarmos a celebrar uma viragem que se verificou no mercado cinematográfico português, através do regresso de uma série de obras clássicas — "Vertigo" (1958), de Alfred Hitchcock, "Lawrence da Arábia" (1962), de David Lean, muitos títulos de Ingmar Bergman, etc., etc. — às salas escuras e aos seus grandes ecrãs. Depois das resposições dos seus filmes "Viagem a Tóquio" (1953) e "O Gosto do Saké" (1962), o mestre japonês
Yasujiro Ozu (1903-1963) volta a ser tema de actualidade, agora com o regresso de
três filmes admiráveis da fase final da sua vida:
* A FLOR DO EQUINÓCIO (1958) — O empenho de alguns velhos amigos em casar as suas filhas acaba por ser o pretexto para um deles se confrontar com a sua própria dificuldade em aceitar que a filha desafie a sua autoridade, escolhendo um noivo que não foi "proposto" pelo pai — sempre num registo de grande delicadeza emocional, em que o drama parece tão íntimo quanto suspenso, Ozu expõe as transformações das relações geracionais no Japão pós-Segunda Guerra Mundial.
* BOM DIA (1959) — Sempre interessado nas vivências do universo infantil — recorde-se o delicioso "Eu Nasci, Mas…" (1932) —, Ozu encena, neste caso, uma convulsão muito particular: a chegada dos aparelhos de televisão aos lares japoneses e, em particular, a "greve" de dois irmãos que decidem não falar enquanto os pais não comprarem um televisor… É um caso exemplar de subtileza cómica, mantendo sempre uma peculiar atenção às diferenças de postura e poder entre as diferentes gerações.
* O FIM DO OUTONO (1960) — Também aqui o jogo dos casamentos é vivido de forma contraditória por pais e filhos. Com a particularidade de ser a morte do patriarca de uma família que desencadeia a vontade dos seus amigos casarem a filha (e, por fim, a própria viúva…). Como em todos os títulos finais de Ozu, também aqui se cruzam sentimentos de alegria e desencanto, polarizados por uma visão de serena aceitação da possibilidade da morte.
Todos estes filmes surgem em cópias digitais, resultantes de impecáveis processos de restauro — e, para mais, com a particularidade de corresponderem a uma fase em que, depois de uma longa resistência, Ozu já tinha abraçado, com evidente satisfação, o trabalho com as películas a cores.
Mais do que nunca, importa dizer que o bom espectador de cinema não se distingue pelo juízo de valor que formula sobre o filme A, B ou C. Ele é, acima de tudo, alguém que tem consciência da admirável pluralidade da própria história das imagens e dos sons — descobrir ou redescobrir
Yasujiro Ozu pode ser um gratificante evento no interior dessa dinâmica de conhecimento.