joao lopes
11 Dez 2015 22:39

Para quê ter uma baleia fabricada digitalmente, através de efeitos especiais mais ou menos sofisticados, quando não se possui uma ideia consistente da própria narrativa em que se vai inseri-la?… "No Coração do Mar" é um exemplo, infelizmente muito sintomático, de um cinema que se esgota nas suas bases tecnológicas, menosprezando a subtil arte de contar histórias.

Motivos de interesse (histórico, dramático, simbólico…) não faltam. Trata-se, de facto, de recordar a investigação de Herman Melville sobre a experiência trágica do baleeiro Essex, em águas do Pacífico — o confronto desigual dos marinheiros, que sobreviveram nos limites da dignidade humana, serviria a Melville para a escrita do seu monumental "Moby Dick" (publicado em 1851).
Escusado será repetir que não se trata de diminuir um filme por causa da sofisticação dos seus recursos materiais, muito menos em função da sua aposta em modelos populares de espectáculo — a noção de que a "crítica" menospreza, por princípio (?), tais recursos e modelos não passa de um ridículo exercício de demagogia que, além do mais, ignora a história (plural e contrastada) da própria actividade crítica.
Trata-se, isso sim, de reparar como "No Coração do Mar" não consegue definir algo ou alguma coisa que sirva de motor à sua narrativa (o dispositivo de "flashbacks" a partir do inquérito de Melville está tratado como uma vulgar solução de medíocre telefilme "histórico"), muito menos fazer valer os poderes dos seus instrumentos de encenação — a própria baleia é uma mancha digital que nunca adquire verdadeira intensidade visual ou dramática.
É pena, tanto mais que o realizador, Ron Howard, tem na sua filmografia alguns exemplos — incluindo o magnífico "Apollo 13" (1995) — que decorrem de um entendimento subtil do factor humano em situações de extrema vulnerabilidade. Nem mesmo do lado dos actores o filme consegue surpreender: Chris Hemsworth, no papel de líder dos marinheiros, é um caso limite de inexpressividade, enquanto Ben Whishaw tem a ingrata tarefa de representar um Melville que nunca supera a condição de vinheta carictural da figura do "escritor".

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