Rick Springfield e Meryl Streep: um filme sobre os que vivem a música


joao lopes
4 Set 2015 17:30

Velha questão, nostálgica e cinéfila: o género musical ainda persiste? Enfim, não vale a pena iludirmo-nos com especulações mais ou menos superficiais — a resposta é claramente negativa, quanto mais não seja porque a indústria deixou de o manter como produto regular. Mas que é feito do filme com música? Será que ainda há filmes capazes de nos envolver no mundo dos fazem, tocam, cantam e vivem a música?

Face a "Ricki e os Flash", o mínimo que se pode dizer é que ainda há quem seja capaz de trabalhar a música muito para além de qualquer dimensão decorativa ou pitoresca, apostando em construir narrativas em que as vivências musicais estão no cerne de todas as formas cinematográficas. Quem? Pois bem, um realizador como Jonathan Demme, uma actriz como Meryl Streep.
Na personagem de Ricki, uma veterana do rock’n’roll que canta com a banda The Flash, Streep consegue mais uma prodigiosa composição em que a sua capacidade de cantar (admirável!) constitui, em boa verdade, apenas um detalhe no fulgor da sua composição. Ela é alguém que, por causa da música e através da música, vai protagonizar todo um processo de reencontro e redescoberta da sua muito traumatizada filha, Julie (interpretada por Mamie Gummer, filha de Streep).
Filmado num tom de aparente reportagem — fazendo lembrar o também brilhante "O Casamento de Rachel" (2008), em que Demme dirigiu Anne Hathaway —, "Ricki e os Flash" convoca os valores mais nobres do clássico melodrama (de Hollywood e para além de Hollywood). E escusado será sublinhar que o militante respeito da complexidade dos actores é um desses valores — além de Streep e Gummer, Kevin Kline e o rocker australiano Rick Springfield são também notáveis.
Uma mise en scène pensada em função dos trabalhos de interpretação; uma visão do mundo empenhada na exposição das singularidades individuais; enfim, uma agilidade técnica e formal sem ostentação, ao serviço da história — são opções estranhas a quase todas as máquinas do Verão cinematográfico sustentadas por omnipresentes promoções. As diferenças de "Ricki e os Flash" envolvem o desafio das regras desse tipo de produtos, transformando-o na mais bela das excepções.

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