joao lopes
15 Fev 2019 23:47
Que define um autor? Digamos, para simplificar, que deparamos com um autor quando podemos observar o retorno obsessivo de temas e referências, mesmo quando variam os lugares da sua afirmação. Os filmes podem ser "melhores" ou "piores"; o certo é que, através dessa dinâmica, definem um modo de trabalho e, no limite, uma visão do mundo.
É isso que, a meu ver, podemos observar em "Todos Sabem", filme que nos chega com quase um ano de atraso (foi abertura oficial de Cannes/2018), mas ainda bem que chegou. Aqui temos o iraniano Asghar Farhadi a construir uma narrativa familiar fundada num sistema de equívocos, logros e máscaras — tal como em "Uma Separação" (2011), "O Passado" (2013) e "O Vendedor" (2016).
Farhadi muda de paisagem e de língua: "Todos Sabem" é um melodrama amargo, rodado em Espanha, com personagens que falam espanhol — e duas vedetas internacionais como são Penélope Cruz e Javier Bardem. No seu cerne está uma questão que, em boa verdade, contamina todos os filmes anteriores de Farhadi. A saber: porque é que os humanos mentem, por vezes, desse modo, atraindo a sua própria infelicidade?
O reencontro de dois adultos que foram namorados na adolescência começa como uma antologia nostálgica para, a pouco e pouco, se transfigurar num enigma perturbante (agravado por um rapto). Farhadi relança, assim, uma dimensão psicológica do cinema, tanto mais interessante quanto, para além de não estar na moda (onde está a psicologia dos super-heróis?…), se impõe através da subtileza das suas contradições internas.
Em última instância, este é um filme de revalorização do labor específico dos actores. E para além de Cruz e Bardem, não esqueçamos a presença de Ricardo Darín, actor argentino que aprendemos a admirar (por exemplo, em "O Segredo dos seus Olhos", 2009) pelas ambivalências emocionais que sabe integrar nas suas personagens.