Memórias das marchas em Selma, Alabama, 1965 — um cinema contaminado pelas convenções televisivas


joao lopes
7 Fev 2015 20:40

É uma espécie de tradição não escrita: a temporada dos Oscars atrai os filmes mais convencionais — de facto, concebidos como telefilmes — que se distinguem, sobretudo, pela gravidade dramática e pela importância histórica das respectivas temáticas.

Aconteceu, por exemplo, com "O Discurso do Rei" (2010), que acabou eleito melhor filme face a títulos como "A Origem" ou "A Rede Social"; volta a acontecer este ano com "Selma", de Ava DuVernay (candidato a melhor filme e melhor canção).

Estamos, como é óbvio, perante a evocação de uma conjuntura essencial na evolução dos EUA durante o século XX e, em particular, no processo de consolidação dos direitos dos cidadãos negros americanos — em cena estão as marchas na cidade de Selma, Alabama, corria o ano de 1965, com Martin Luther King Jr. a inscrever o seu nome, de forma decisiva, no combate a todas as formas de discriminação.
O filme vale, sobretudo, por esse inventário de eventos que, envolvendo uma galeria de personagens emblemáticas — incluindo o Presidente Lyndon B. Johnson —, iriam ter uma consequência decisiva: a possibilidade de qualquer indivíduo, negro ou branco, votar de acordo com as mesmas regras democráticas.
Ao mesmo tempo, tudo se passa como se se tratasse menos de fazer história e mais de produzir uma colecção de vinhetas que tendem a transformar cada personagem, não exactamente num peão necessariamente complexo, porventura contraditório, do devir histórico, antes num símbolo "antecipado" da própria evocação que é desenvolvida.
Em última análise, entenda-se: não se trata de demonizar um objecto como "Selma", sendo mesmo possível, até certo ponto, reconhecer-lhe algum mérito informativo. Acontece que, no plano cinematográfico, não parece possível colocá-lo na mesma plataforma em que situamos títulos como "Boyhood", "Sniper Americano" ou "Birdman".

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