joao lopes
24 Set 2014 21:08
A chamada crónica social não será o modelo mais frequente do cinema português (e, em boa verdade, não podemos esquecer que, nas suas fragilidades de produção, se trata de um cinema com dificuldade em estabilizar modelos). Em todo o caso, há cineastas que, de uma maneira ou de outra, se mantêm fiéis aos seus pressupostos — de "Perdido por Cem" (1973) a "A Bela e o Paparazzo" (2010), passando por "O Lugar do Morto" (1984), creio que se pode dizer que António-Pedro Vasconcelos é um desses cineastas.
Num certo sentido, "Os Gatos Não Têm Vertigens" será uma das suas histórias mais arriscadas. De facto, eleger como personagens centrais uma viúva solitária (Maria do Céu Guerra) e um jovem de uma família disfuncional (João Jesus) não será uma escolha óbvia entre possíveis "símbolos" do nosso aqui e agora. E tanto mais que António-Pedro Vasconcelos encena, não apenas o seu cruzamento acidental, mas também (sobretudo) a metódica construção de uma cumplicidade que os aproxima de forma inesperada.
Podemos, talvez, considerar que o filme é desigual no modo como vai descrevendo as componentes psicológicas das diversas personagens (apenas um exemplo: tenho dúvidas sobre o modo como a personagem de Ricardo Carriço vai deslizando para uma dimensão caricatural que enfraquece a sua presença na teia dramática do filme). Seja como for, "Os Gatos Não Têm Vertigens" empenha-se em celebrar o carácter irredutível de cada ser humano, discutindo sempre a sua eventual proximidade de alguns clichés telenovelescos.
Além do mais, como tantos outros títulos da produção cinematográfica portuguesa, este é também um filme sobre a cidade de Lisboa e, se assim nos podemos exprimir, sobre o modo como sob a sua luz singular existem destinos que escapam a qualquer descrição determinista. Nesta perspectiva, talvez possamos dizer que "Os Gatos Não Têm Vertigens" relança, em pleno séc. XXI, a hipótese de um realismo social que não escamoteie os sonhos escondidos nas dobras do quotidiano.