Tânia Dinis e Vítor Correia — cenários de Guimarães, memórias de Hollywood


joao lopes
23 Mar 2017 18:41

Por vezes, uma certa visão "automática" do cinema que se faz em Portugal gera descrições generalistas, pouco ou nada atentas à pluralidade interior da nossa produção. Na dupla qualidade de produtor e realizador, Rodrigo Areias é um magnífico exemplo dessa pluralidade, desenvolvendo a sua actividade através do colectivo Bando à Parte, sediado em Guimarães (em termos pessoais, recordo com todo o gosto que tive o privilégio de trabalhar com ele na programação/produção da área de cinema de Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura).

Agora, Rodrigo Areias propõe um exercício de estimulante experimentalismo. Depois de "Estrada de Palha" (2012), a sua nova longa-metragem de ficção, "Ornamento & Crime", aposta na possibilidade de reinventar as matrizes do clássico género "noir" de Hollywood, fazendo-o através de lugares e rostos de Guimarães. Dir-se-ia que há, aqui, um realismo insólito, no sentido em que realidade retratada é a abstracção do próprio cinema como máquina de produção de ficção.


ORNAMENTO E CRIME (TRAILER) from Bandoaparte on Vimeo.


É, obviamente, significativo que o título escolhido para o filme seja "roubado" ao ensaio do arquitecto austríaco Adolf Loos (1870-1933), publicado em 1913. Trata-se, afinal, de procurar estabelecer uma cumplicidade formal com uma arquitectura em que o rigor das linhas e o equilíbrio das composições dispensa o gratuito dos ornamentos. Dito de outro modo: este é um filme elaborado também a partir da memória do arquitecto português Fernando Távora (1923-2005), personalidade essencial na conservação e consolidação do património urbano de Guimarães.
Num contexto em que, mais do que nunca, importa defender — e, mais do que isso, preservar — a diversidade da produção cinematográfica portuguesa, "Ornamento & Crime" exemplifica uma atitude criativa descentralizada, independente e experimental. As suas singularidades merecem ser conhecidas e pensadas — a cinefilia começa, afinal, na disponibilidade do olhar e do pensamento.

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