2 Abr 2016 0:44
Se os filmes se distinguem também pela sua capacidade de desconcertar os seus espectadores, não há dúvida que "O Conto dos Contos", do italiano Matteo Garrone, foi o objecto mais desconcertante do Festival de Cannes de 2015 — uma recriação dos contos fantásticos de Giambattista Basile (1566-1632), enraizada num gosto de espectáculo em que o natural e o anti-natural se cruzam de forma obsessiva.
É um daqueles filmes que, apesar dos muitos desequilíbrios internos, cresce com o tempo, numa espécie de assombramento através do qual o cinema desafia os seus próprios limites. Garrone disse-o, aliás, de forma sugestiva e feliz: tratava-se de encontrar um registo claramente devedor das técnicas de manipulação do cinema, ao mesmo tempo conservando a crueza de um realismo primitivo e carnal.
Nesta perspectiva, a contribuição do director de fotografia Peter Suschitzky (colaborador habitual de David Cronenberg) afigura-se decisiva para os resultados hiper-realistas (mais uma vez, a expressão é sugerida por Garrone) de "O Conto dos Contos": vogamos através de um mundo de monstros e rituais mais ou menos violentos em que o apelo transcendental é, literal ou simbolicamente, qualquer coisa de visceral.
Com um elenco internacional — Salma Hayek, Vincent Cassel, Toby Jones, etc. —, este é também um exemplo híbrido de produção, aliás reflectido na sua opção pelo inglês, a língua "global" do cinema. Para Garrone, importava não esquecer que o nosso próprio conhecimento das histórias de Basile se faz, já não no dialecto napolitano original, mas através de traduções. Dito de outro modo: "O Conto dos Contos" envolve os mais inusitados particularismos, ansiando por uma dimensão espectacular de âmbito universal.