Francisco Froes em


joao lopes
8 Dez 2018 23:25

Na trajectória criativa de António-Pedro Vasconcelos (APV), a observação dos usos e costumes do presente português — de que "O Lugar do Morto" (1984) será a referência mais conhecida — tem sido pontuada por tentativas de revisitar alguns momentos emblemáticos do nosso passado. Assim aconteceu em "Aqui d’El Rei" (1992), aposta romanesca tendo como pano de fundo o colonialismo português, e "Os Imortais" (2003), retratando um grupo de ex-combatentes da Guerra Colonial.

A meu ver, tais títulos estão entre os seus projectos mais ousados e, por diversas razões, da produção à estrutura narrativa, também menos conseguidos. Dir-se-ia que o novo filme de APV, "Parque Mayer", consegue retomar esse gosto de lidar com algum passado, trabalhando-o entre a memória histórica e a deambulação dramática — ou melhor, no sentido mais genuíno, melodramática.
Encontramos, assim, uma celebração nostálgica tão simples quanto tocante: trata-se de evocar a tradição do teatro de revista. Mas não em abstracto. O filme inicia-se, aliás, com a legenda: "Lisboa, 1933". Dito de outro modo: para além da referência lendária do Parque Mayer (hoje em dia um espaço descaracterizado, entre a agonia material e a esperança de uma genuína revitalização social), a acção projecta-nos nos tempos iniciais do Estado Novo.
Como nos já citados exemplos da filmografia de APV (embora, a meu ver, com mais equilíbrio e didactismo), "Parque Mayer" consegue desenhar um cruzamento sugestivo: entre a história da nova corista (Daniela Melchior, numa composição que tem a vantagem de aplicar o cliché de forma linear, evitando qualquer moralismo dramático) e as atribulações a que a censura salazarista sujeita o autor da revista (Francisco Froes, revelação de um verdadeiro actor de cinema).
Estamos, enfim, perante um filme que, ao encenar o labor específico do teatro de revista, arrisca ainda na escolha de uma temática que, infelizmente, se tornou algo baça, para não dizer inexistente, para muitos espectadores das gerações mais jovens — na melhor (aliás, na pior e mais equívoca) das hipóteses, esses espectadores tenderão a associar tal registo teatral às regras correntes do humor "stand up". Também por esse risco, "Parque Mayer" é um objecto cujo culto da memória merece ser sublinhado.

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