15 Ago 2019 1:38
Quando lemos o título do 9º título da filmografia de Quentin Tarantino — "Era uma Vez em Hollywood" —, é inevitável que nos surja a própria "imagem" mediática que o filme adquiriu desde a sua passagem, em Maio, no Festival de Cannes. A saber: estamos perante uma evocação do ano de 1969, marcado, em particular, e de forma particularmente dramática, pelo assassinato de Sharon Tate (então casada com Roman Polanski) pela seita de Charles Manson.
Em todo o caso, talvez valha a pena resistir um pouco ao automatismo de tal interpretação. Claro que este é um retrato íntimo de Hollywood, numa conjuntura tanto mais reveladora quanto se vivia um tempo de acelerada decomposição das matrizes tradicionais de produção, a par do crescente e, em muitos aspectos, assustador poder concorrencial da televisão. O que não impede que o filme, sendo sobre Hollywood, funcione, acima de tudo, como uma fábula — o título avisa: era uma vez…
Extraordinária proeza: há, sem dúvida, uma impressionante dimensão realista em "Era uma Vez em Hollywood" (aliás, são vários os relatos sobre a produção que dão conta da obsessiva reconstituição de muitos lugares míticos dos Boulevards da Meca do Cinema); ao mesmo tempo, o filme vai-se instalando no nosso olhar — apetece dizer: no nosso pensamento — como a concretização de um sonho primitivo. Em última análise, vida vivida e vida ficcionada existem como duas entidades geminadas na cinefilia, através do olhar cinéfilo do espectador.
Será preciso recordar o sentido original da palavra cinefilia? Ou seja: o amor do cinema. "Era uma Vez em Hollywood" é o objecto cinéfilo, por excelência. Rick Dalton, actor enredado nas rotinas dos "westerns" televisivos, ansiando por alguma "promoção" cinematográfica, e Cliff Booth, o seu duplo, surgem, afinal, como símbolos de um tempo em que o próprio sonho de Hollywood — a sua dimensão de fábula — estava posto em causa.