joao lopes
2 Ago 2019 1:02
É verdade: ainda há filmes que gostam mais de pessoas do que de simulações digitais. E não porque as actuais possibilidades tecnológicas sejam artisticamente desinteressantes… Longe disso. Acontece que, com actores ou bonecos digitais, se a dimensão humana se perde, o cinema anula-se.
O filme argentino "Um Segredo de Família" é um bom sintoma de um humanismo tanto mais genuíno, em termos cinematográficos, quanto a sua escrita se apresenta contaminada pela tradição da narrativa melodramática. Em jogo está, assim, o cenário íntimo de uma família, abalada pela morte do seu patriarca e, em particular, pelos efeitos perversos e perturbantes do reencontro de duas irmãs.
Há qualquer coisa de enigma policial no desenvolvimento desta realização de Pablo Trapero. Isto porque o reencontro de Mia e Bérénice Bejo — interpretadas, respectivamente, pelas excelentes Martina Gusman e Bérénice Bejo — cedo se enreda com memórias em que os episódios sexuais coexistem com recalcadas vivências do tempo da ditadura militar de Jorge Videla.
Deparamos, assim, com uma das componentes essenciais do melodrama: a capacidade de explorar zonas de intimidade que, a pouco e pouco, se revelam contaminadas pelas convulsões da história colectiva. E porque tudo passa, realmente, pelas interpretações, não esqueçamos a presença da veteraníssima Graciela Borges, nossa conhecida, por exemplo, de "O Pântano" (2001), de Lucrecia Martel.