joao lopes
28 Mar 2018 23:52
É bem verdade que a imagem de marca de Steven Spielberg como mago de um universo dominado pela grande aventura — com a personagem de Indiana Jones a simbolizar os seus prazeres de espectáculo — há muito deixou de ser suficiente para dar conta da pluralidade do seu trabalho. Afinal de contas, mesmo apenas entre os seus títulos realizados no século XXI, encontramos notáveis dramas políticos como "Lincoln" (2012), "A Ponte dos Espiões" (2015) e "The Post" (2017).
O certo é que o autor de "Encontros Imediatos do Terceiro Grau" (1977) e E.T. – O Extraterrestre" (1982) nunca abandonou esse gosto muito primitivo — no sentido em que está ligado ao imaginário infantil e juvenil — pelas aventuras mais ou menos marcadas pelo espírito da fábula. "Ready Player One: Jogador 1", inspirado no livro homónimo de Ernest Cline, é o mais recente exemplo, mesmo se não é possível compreendê-lo através das coordenadas temáticas e simbólicas de "Os Salteadores da Arca Perdida" (1981).
Desta vez, somos projectados num futuro relativamente próximo (2045) para depararmos com um universo dominado pelos jogos de realidade virtual (RV). E dominado em sentido muito literal: por um lado, o crescente nível de alienação social está ligado ao facto de a esmagadora maioria da população viver dependente (no sentido tóxico do termo) do consumo da RV, "circulando" pelo seu território, denominado Oasis; por outro lado, tal dependência traduz-se numa verdadeira força política de controle dos cidadãos.
Daí o desconcertante paradoxo que se instala: Spielberg filma os êxtases ilusórios do Oasis através de uma exuberância visual e sonora que faz com que o filme seja, ele mesmo, um objecto profundamente dependente da RV; ao mesmo tempo, "Ready Player One: Jogador 1" resiste ao seu próprio tema, afirmando-se como uma parábola sobre o eterno regresso à dimensão real da experiência humana.
Wade Watts, o jovem interpretado por Tye Sheridan (que descobrimos em 2011 como uma das crianças de "A Árvore da Vida", de Terrence Malick), emerge, assim, como o herói ambivalente desse mundo virtual, onde está representado pelo seu alter-ego ‘Parzival’. Jogador hiper-experiente, ele é também alguém que tenta subtrair-se às condicionantes do jogo… Um pouco à maneira de Spielberg: um dos mais sofisticados herdeiros do classicismo de Hollywood que, como se prova por este filme, tenta manter-se ligado às opções de espectáculo dos grandes estúdios.