joao lopes
30 Dez 2018 23:34
Neo-realismo no século XXI? Em termos lineares, a classificação é inadequada, para não dizer absurda. Escusado será lembrar que os filmes de autores como Roberto Rossellini ou Vittorio De Sica, nos anos 40, pós-Segunda Guerra Mundial, pertencem a uma conjuntura (social e artística) que não se repete. Em qualquer caso, há uma pulsão realista que alguns italianos nunca abandonaram.
Cineasta de títulos como "Gomorra" (2008) ou "Reality" (2012), Matteo Garrone mantém-se fiel a uma postura realista, pura e dura, que não desiste de olhar o presente do seu país. Assim é "Dogman", retrato frio e desencantado de um homem que tem uma loja de acolhimento e tratamento de cães, ao mesmo tempo que tenta sobreviver no seio de um bairro (realmente) problemático.
Marcello Fonte, intérprete dessa frágil e solitária personagem central, pode simbolizar a energia vital deste olhar cinematográfico — mereceu, aliás, o reconhecimento do júri de Cannes/2018, recebendo o prémio de melhor interpretação masculina. Por ele passam as emoções mais íntimas, ao mesmo tempo que o reconhecemos como símbolo revelador de um tecido social em trágica convulsão.
Vale a pena referir que este magnífico "Dogman" surge três anos depois de "O Conto dos Contos", por certo um dos empreendimentos mais ambiciosos de Garrone, procurando recuperar a energia fantástica das narrativas de Giambattista Basile (1566-1632). Dir-se-ia que o relativo falhanço (estético e comercial) desse filme levou Garrone a regressar aos mais primitivos pressupostos realistas — face aos resultados, podemos dizer que foi a opção certa.