No coração da ficção científica — como restabelecer a coexistência entre macacos e homens?


joao lopes
17 Jul 2014 16:13

A saga do "Planeta dos Macacos" representa, afinal, uma sugestiva variação sobre uma tradicional linha de força da ficção científica. A saber: os humanos tendem a violentar a Natureza de onde provêm, a ponto de os seus elementos — os macacos, neste caso — se revoltarem contra eles/nós.

É assim desde a primeira adaptação cinematográfica inspirada no romance de Pierre Boulle, "Planet of the Apes" (1968), de Franklin J. Schaffner, com Charlton Heston, entre nós lançada com o sugestivo título de "O Homem que Veio do Futuro". Em qualquer caso, o novo filme dirigido por Matt Reeves — "Planeta dos Macacos: a Revolta" (que já tem uma sequela agendada para 2016) — não resulta de um mero prolongamento das características do original.
Escusado será dizer que as bases tecnológicas mudaram, e mudaram muito, desde a década de 60 — o que, entenda-se, não diminui, de modo algum, o sentido inovador e a ousadia do filme de Schaffner. Em termos simples, neste nosso séc. XXI, o trabalho de um actor como Andy Serkis na figura de César, o líder dos macacos, decorre de um aparato digital (o registo da figura humana para a criação de uma entidade virtual) que ilustra uma nova prática, porventura um novo conceito, do próprio entertainment [ver clip sobre a rodagem].



Em qualquer caso, importa não "divinizar" tal aparato de produção, quanto mais não seja porque o filme se afirma como uma parábola sobre o desenvolvimento desordenado da tecnologia — os macacos revoltaram-se contra as experiências de laboratório a que os humanos os sujeitaram — e, no limite, a (im)possibilidade de coexistência entre o que resta da humanidade e a nova sociedade constituída pelos macacos.

Daí a importância fulcral do espaço cenográfico em "Planeta dos Macacos: a Revolta". O trabalho da equipa dirigida pelo designer James Chinlund, por certo em estreita relação com o veterano director de fotografia Michael Seresin (neozelandês com uma presença determinante na filmografia de Alan Alan Parker), permite recriar o espaço urbano de São Francisco, agora como uma gigantesca paisagem apocalíptica, bem diferente do deserto natural, no norte do Arizona, utilizado no filme de 1968 [ver trailer].
Se os filmes são também um reflexo directo e instintivo, mais ou menos (sub)consciente do tempo em que surgem, então podemos dizer que "Planeta dos Macacos: a Revolta" reflecte o nosso desencanto com as convulsões do universo político (no sentido lado de governação da polis). No limite, são poucos — homens ou macacos — aqueles que visam a construção de genuínos modelos de coexistência. Através dos sobressaltos do futuro, a ficção científica pode ser, afinal, um espelho ambíguo dos medos do presente.

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