crítica
Maternidade, passado e presente segundo Almodóvar
O filme que serviu de abertura oficial ao Festival de Veneza chega às salas portuguesas: com "Mães Paralelas", Pedro Almodóvar prolonga a sua aliança criativa com Penélope Cruz, ao mesmo tempo revisitando traumas da história do seu país.
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2 Dez 2021 21:42
Já muito disseram que ninguém filma Penélope Cruz como Pedro Almodóvar… E creio bem que a afirmação não tem nada de exagerado. Aí está, em todo o caso, mais um belo exemplo da aliança da actriz e do realizador: "Mães Paralelas" prolonga a obsessão de Almodóvar pelo universo da maternidade, ou melhor, a sua capacidade de encenar as mães como portadoras de um sentido oculto, não apenas das relações familiares, mas da própria história colectiva.
À boa maneira de Almodóvar, por aqui perpassa um enigma com o seu quê de policial. As duas mães interpretadas por Penélope Cruz e Milena Smit têm os seus filhos no mesmo dia, de tal modo que, a partir daí, se desenvolve uma epopeia (paralela, precisamente) que se vai enredar com perguntas por responder. E não são perguntas banais — estão directamente ligadas às memórias perturbantes da Guerra Civil em Espanha.
Os cenários de luz cristalina e cores intensas definem uma espécie de assinatura (melo)dramática de Almodóvar. Em todo o caso, desta vez, tal assinatura não é um objectivo fechado sobre a sua "exibição", antes uma estratégia para expor as ambivalências dos factos narrados — em última instância, este é um filme sobre a dificuldade de receber, organizar e pensar as heranças históricas.
Almodóvar consegue, assim, fazer passar uma ideia forte, por certo essencial em todo o seu universo: o passado não é um objecto fechado sobre si mesmo, muito menos um mero pretexto para a nostalgia, antes uma herança que continua a pontuar a vida do presente — as “mães paralelas” são essas personagens que, através da teia do passado, descobrem um pouco mais do seu próprio presente.