Recordando o Capuchinho Vermelho — onde está um genuíno trabalho com as formas do género musical?


joao lopes
2 Jan 2015 11:24

Ciclicamente, confrontamo-nos com aquela dúvida metódica: será que o género musical poderá voltar à produção regular de Hollywood? Provavelmente, a pergunta não faz sentido, já que, independentemente dos talentos envolvidos, importa reconhecer que as condições específicas de produção em que o musical se consolidou (ao longo das décadas de 30/40), de facto, desapareceram.

Em qualquer caso, é também um facto que somos levados a contemplar, com um misto de cinefilia e expectativa, o aparecimento de cada nova experiência musical. Por vezes, compreendendo que a aproximação dos códigos clássicos do musical é feita através dos mais profundos equívocos. Rob Marshall, consagrado nos Oscars de 2003 pelo banalíssimo "Chicago", continua a ser um exemplo esclarecedor de tais equívocos.
A nova realização de Marshall, "Caminhos da Floresta" — baseada no musical "Into the Woods", com música e letra de Stephen Sondheim — consegue a proeza pouco invejável de transformar uma matéria de excelência (será preciso relembrar que Sondheim é um mestre do género?) numa encenação arrivista que confunde a agitação da câmara e a "velocidade" da montagem com a delicada arquitectura narrativa que música e canções necessariamente exigem.
O resultado é uma colagem de números concebidos como banais telediscos, para mais enfraquecendo o pressuposto vital de "Into the Woods". A saber: a transfiguração de algumas fábulas clássicas (Capuchinho Vermelho, Cinderela, etc.) num novo conto moral sobre a bondade e a solidariedade humana.
Tudo isto, enfim, com actores como Meryl Streep, Johnny Depp ou Emily Blunt a funcionar como figurações instrumentais de efeitos visuais cuja concepção espectacular ninguém pensou… Decididamente, conferir todos os poderes à manipulação tecnológica é esquecer que o cinema, apesar de tudo, continua a ser uma tarefa humana.

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