Orson Welles — com os olhos na câmara, para além das câmaras


joao lopes
14 Jun 2019 23:40

A história do cinema não é, nem de longe nem de perto, um inventário de "filmes" e "autores" que se leia como a ilustração de uma qualquer lógica determinista. O crítico de cinema irlandês Mark Cousins já o tinha demonstrado com a sua notável obra documental "História do Cinema: Uma Odisseia", um monumento de meticulosa investigação ao longo de 15 horas de duração (disponível no mercado do DVD).

Dir-se-ia que, através de "Os Olhos de Orson Welles", Cousins acrescenta um capítulo à sua história, confirmando que os seus sentidos (históricos, precisamente) não são um fim em si mesmo, antes se confundem com uma questão sempre em aberto. Dito de outro modo: através da cumplicidade da filha do cineasta, Beatrice Welles, Cousins acedeu a um imenso espólio de desenhos e pinturas que nos leva a descobrir um "novo" Welles.
Em boa verdade, tais desenhos e pinturas surgem como pontuações, ora didácticas, ora irónicas, descritivas e analíticas, daquilo que Welles ia vendo ou imaginando. Muitas das obras têm, como é óbvio, uma relação directa com os filmes, em particular com os "shakespeareanos", com destaque para "As Badaladas da Meia-Noite" (1965), antecipando guarda-roupa ou cenários — mas há sempre nelas uma visão suplementar que, de alguma maneira, nos permite aceder ao Welles visionário.
"Os Olhos de Orson Welles" consegue, em última instância, ensinar-nos a compreender que qualquer história dos elementos cinematográficos se escreve sempre para lá da especificidade desses elementos. Em tempos de aceleração do marketing dos filmes e apagamento de muitas memórias cinematográficas, Cousins é um bom companheiro cinéfilo.

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