O amor segundo Simenon — ou um cinema que vive, antes do mais, do trabalho dos actores


joao lopes
18 Out 2014 22:41

É um facto que o mais interessante cinema francês (e não só…) nunca perdeu uma ligação sistemática e versátil com o património literário. Há mesmo núcleos dessa relação que envolvem uma espécie de tradição (cinematográfica & televisiva) que, regularmente, se renova e enriquece. O novo filme de e com Mathieu Amalric, "O Quarto Azul", é um bom exemplo de um desses núcleos — o que se apoia na frondosa obra de Georges Simenon (1903-1989).

Em termos simples, trata-se da crónica íntima de uma relação adúltera: Julien e Esther mantêm os seus encontros secretos (no quarto azul de um hotel), a pouco e pouco desencadeando um rumor de escândalo que vai desafiar a verdade da sua própria paixão. Amalric filma, assim, a lenta instalação de uma perturbação que, fiel ao espírito de Simenon, nos conduz a uma dúvida metódica: que acontece quando o amor acontece?
Acima de tudo, "O Quarto Azul" sabe contornar as facilidades "sociológicas" de muitas adaptações do género, optando antes por conduzir as personagens — e, com elas, o espectador — à fronteira da sua própria racionalidade: a entrega do amor pode conter, afinal, os germes da sua própria decomposição?
Curiosamente, a adaptação do romance de Simenon foi escrita pelos dois actores principais: o próprio Amalric, no papel de de Julien, e Stéphanie Cléau, intérprete de Esther. Dito de outro modo: este é um cinema que aposta na representação como factor formal e humano, concreto e abstracto, decisivo para qualquer trabalho de mise en scène.

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