crítica
Na intimidade de Miles Davis
Eis um desafio invulgar: retratar o génio de Miles Davis a partir de um período especialmente dramático e atribulado da sua existência — Don Cheadle estreia-se na realização em "Miles Ahead", assumindo-se também como intérprete principal.
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14 Jul 2016 3:15
Digamos que, fosse qual fosse a opção, nunca seria fácil: ao lançar-se na aventura de retratar Miles Davis (1926-1991), Don Cheadle enfrentava a riqueza imensa da música de uma das figuras tutelares da história do jazz e também a complexidade dramática e dramatúrgica de qualquer aproximação da "vida & obra". E tudo isso está no filme "Miles Ahead", com Cheadle a assumir a dupla condição de actor principal e realizador.
Deparamos, assim, com um homem dilacerado e ameaçado por forças reais ou imaginárias (veja-se todo o episódio em torno das gravações que ele guarda, justificadamente, como uma preciosidade absoluta). Sem ceder a qualquer estereótipo do "artista-como-mártir", Cheadle convoca-nos para a intimidade de Miles, evitando também qualquer comportamento de voyeur — trata-se, afinal, de observar uma personagem ameaçada pelos seus próprios fantasmas, e tanto mais quanto a acção recua, regularmente, aos anos 60 e ao atribulado casamento com Frances Taylor (que está na capa do álbum "Someday My Prince Will Come", 1961).