joao lopes
17 Set 2015 0:57
Woody Allen, à beira do 80º aniversário (no dia 1 de Dezembro) é como uma visita de casa que recebemos sempre de braços abertos. Por vezes, isso pode alimentar um equívoco: o de que o conhecemos necessariamente bem, e de modo definitivo. De facto, mais ou menos desde "Annie Hall" (1977), ele assina uma longa-metragem por ano… Mas será que isso nos permite dizer que os seus filmes são "repetições" (mais conseguidas ou menos conseguidas), por isso mesmo previsíveis?
Digamos, claramente, que não. "Homem Irracional" possui mesmo uma dimensão de mistério, num certo sentido próxima de alguns registos do policial, que desafia as interpretações que o espectador possa ir ensaiando. Enfim, mesmo evitando revelar as peripécias de que se tece a relação de um professor e uma aluna universitária — interpretados, respectivamente, por Joaquin Phoenix e Emma Stone —, digamos que este é um filme que enfrenta um drama labiríntico que percorre a história do pensamento filosófico (até porque a personagem de Phoenix é, justamente, um professor de filosofia). A saber: quando é que a procura da justiça pode (se é que pode) justificar a ultrapassagem dos interditos estabelecidos por lei?
Há no filme uma calculada dimensão romanesca, uma vez que a aproximação das duas figuras centrais envolve todo um movimento afectivo — digamos que, transportando o desencanto de uma existência frustrada, muito marcada pelo álcool, ele encontra nela uma utopia de redenção. Ao mesmo tempo, a vontade de repor uma ordem ideal no mundo vai transformá-los em protagonistas de um desafio às normas de convivência humana que, no limite, desafia também a percepção do Bem e do Mal pelo espectador.
Curiosamente, "Homem Irracional" corresponde a um regresso aos EUA. Não é um caso isolado na última década de Woody Allen (recordemos "Tudo Pode Dar Certo" e "Blue Jasmine", respectivamente de 2009 e 2013), mas não há dúvida que ilustra a sua capacidade de observação e desmontagem do(s) quotidiano(s) americano(s), nem sempre presente do mesmo modo nas produções europeias, mesmo as mais interessantes, que tem dirigido.
Confirmando a importância da sua relação de trabalho com o director de fotografia Darius Khondji, "Homem Irracional" é também mais um caso exemplar de direcção de actores. Phoenix e Stone são brilhantes (ele, em particular, expõe-se uma rara vulnerabilidade), como brilhante também é Parker Posey. Sentimos, talvez, a falta do próprio Woody Allen a contracenar com eles, mas é um facto que todas estas personagens são elaboradas variações sobre as suas obsessões e os seus temas clássicos.