joao lopes
21 Mar 2019 19:59
Eis um reencontro muito aguardado: Jordan Peele regressa à realização com "Nós", filme que corre o risco de ser asfixiado na noção omnipresente de cinema de terror. Claro que o trabalho de Peele não é alheio ao património mitológico do género, bem pelo contrário. Mas seria francamente simplista reduzi-lo a qualquer noção corrente em que a singularidade do género parece esgotar-se no número de cadáveres acumulados ou na ostentação dos efeitos especiais…
De facto, Peele não é, de modo algum, um banal funcionário de efeitos (técnicos ou dramáticos) mais ou menos na moda. Já o sabíamos desde "Foge" (2017). O seu cinema nasce de um visceral efeito de estranheza, de uma só vez físico e simbólico — e se "eles" formos "nós"? Ou ainda: e se a ilusão que os outros instalam no nosso espaço nos obrigar a questionar o que somos? Ou talvez aquilo que imaginamos ser?
Desde a difusão do trailer de "Nós", todos sabemos o essencial da sua premissa: uma família em férias, uma outra família que aparece à noite em frente à sua casa e um crescendo de violência que os "visitantes" instalam… Sendo "eles" iguais a "nós"…
A partir daí, vamos assistindo a um envolvimento que tem tanto de vertigem psicológica como de exuberante teatralidade. Aliás, a palavra é francamente sugestiva para nos ajudar a definir o crescendo emocional de "Nós", em particular o que acontece com a personagem da mãe (Lupita Nyong’o, magnífica), reencontrando inusitadas memórias da sua própria infância.
É, de facto, de um teatro do medo que se trata. Quando o espaço familiar se descobre "duplicado" noutro, quando esse efeito de espelho envolve a partilha de uma "alma", tudo vacila, a começar pela crença na estabilidade do próprio espaço comunitário em que todos se relacionam. No limite, talvez possamos definir "Nós" como um ensaio crítico sobre a vulnerabilidade das relações humanas — Jordan Peele tem esperança, mas não é um optimista.