crítica
O 25 de abril em tom de “comédia de costumes”
Com "Prazer, Camaradas!", José Filipe Costa revisita o tempo em que jovens vindos do estrangeiro chegaram a Portugal para conhecer a revolução... Um belo exercício de questionamento histórico, subtil e pleno de humor.
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joao lopes
20 Mai 2021 23:57
De que falamos quando falamos do 25 de Abril? Eis uma questão básica, de uma só vez histórica e simbólica, que justifica algo mais do que uma resposta "panfletária". Em termos cinematográficos, entenda-se. Trata-se, sobretudo, de saber que linguagens usamos para preencher e, de alguma maneira, resgatar a distância que nos separa dos eventos que puseram fim à ditadura do Estado Novo.
"Prazer, Camaradas!" é um filme que adopta uma estratégia tão inesperada quanto envolvente, até porque há nele uma dinâmica de "comédia de costumes" que lhe confere um humor insólito e contagiante. O objectivo é evocar o envolvimento de jovens vindos do estrangeiro com aqueles que, nas cooperativas de herdadas ocupadas, protagonizavam a ideia, e o ideal, de construir novas formas de vida.
A realização de José Filipe Costa distancia-se dos lugares-comuns "ilustrativos", banalmente televisivos, quase sempre guiados por uma cândida cegueira artística: bastaria "reconstituir", "imitando", para nos ser devolvida a verdade original dos acontecimentos. Ora, aqui, tudo se baralha — e esclarece — porque os "velhos" de hoje estão a interpretar os "novos" de há quase meio século. Como num espelho.
Talvez importe não dizer mais do que isto, de modo a não esvaziar o calculado efeito de surpresa que o filme explora no seu lançamento… Sublinhe-se apenas que "Prazer, Camaradas!" estabelece esse ziguezague passado/presente através de um riso saudável, capaz de lidar com as convulsões de tudo o que aconteceu.
Nessas convulsões inclui-se um repensar da sexualidade e, mais do que isso, um leque de dúvidas e interrogações sobre o lugar prático & simbólico das mulheres face às regras e mecanismos do poder masculino. Nesta perspectiva, este é um filme que consegue algo cada vez mais raro: não a identificação escapista de "culpados", mas uma memória de muitos contrastes — por vezes comovente, outras irresistivelmente sarcástica — reflectindo todas as inocências perdidas.