Raffaele Pinto e a sua mulher — percorrendo o labirinto do amor, da literatura e das musas


joao lopes
23 Jun 2016 17:57

Subitamente, para lá da agitação dos "blockbusters" de Verão, a grande de estreia da semana é falada em… espanhol (e italiano): "A Academia das Musas", de José Luis Guerin, surge como um verdadeiro e sedutor ovni do mercado cinematográfico, afinal explorando uma via essencial da modernidade cinematográfica. A saber: a vacilação das fronteiras entre documentário e ficção, num jogo que tem tanto de didáctico como de lúdico, mobilizando o espectador para os singulares prazeres da arte de contar histórias.


Em termos práticos, pode dizer-se que Guerin construiu uma ficção como se fosse um documentário. Assim, esta é a história de um professor de Filologia da Universidade de Barcelona que, com as suas alunas, reflecte sobre o papel das musas na tradição romanesca e o modo como o próprio amor se pode (ou não) definir como uma… invenção literária. Raffaele Pinto, o professor, é mesmo um professor universitário, contracena com a sua mulher e as alunas do filme são também suas alunas — em qualquer caso, trata-se de seguir um labirinto ficcionado sobre as relações homens/mulheres.



A evocação da obra do francês Eric Rohmer (1920-2010) é, talvez, inevitável — e o próprio Guerin, mesmo evitando qualquer sintoma de "cópia", reconhece no autor de "A Minha Noite em Casa de Maud" (1969) uma fundamental referência inspiradora. Trata-se, afinal, de colocar em cena personagens que conferem um valor fundamental às palavras e, em particular, ao exercício da fala. Daí a pergunta, ao mesmo tempo teórica e irónica, formal e pulsional, que circula por todo o filme: será o amor uma invenção literária?
A estreia de "A Academia das Musas" é um acontecimento tanto mais importante quanto, de facto, o mercado português tem uma relação deficitária com a obra de Guerin — apenas o magnífico "Comboio de Sombras" (1997) foi também objecto de estreia comercial, tendo a Cinemateca dado a ver alguns dos trabalhos documentais do cineasta. Seja como for, este é um filme incontornável, daqueles que nos levam a reformular a mais primitiva das questões — de onde vem, para onde vai o cinema?

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