Rachel Zegler e Ansel Elgort: o cinema regressando a memórias do musical da Broadway


joao lopes
9 Dez 2021 22:27

Como está explicitado no genérico final de "West Side Story", o novo filme de Steven Spielberg não se baseia no filme homónimo de 1961, assinado por Robert Wise e Jerome Robbins, mas sim na produção original da Broadway — a saber: o musical de Leonard Bernstein (música) e Stephen Sondheim (letra) estreado em 1957 (com coreografia de Jerome Robbins).

Não é um detalhe secundário. Como é óbvio, a visão cinéfila de Spielberg será tudo menos indiferente à excelência do trabalho de Wise/Robbins — não é essa a questão. Acontece que o seu "West Side Story", sendo o mais cinematográfico dos objectos, é-o também porque relança o género musical através da sua visceral teatralidade.
Muito se falou da escolha dos intérpretes Rachel Zegler e Ansel Elgort e da sua missão de (re)encarnarem Maria e Tony, "Romeu e Julieta"  em cenários de acelerada reconversão urbana na Nova Iorque de finai da década de 50. São ambos magníficos, mas a identidade do novo "West Side Story" está longe de se poder definir apenas através das performances do seu (admirável) elenco.
Acima de tudo, Spielberg quis reforçar e, se assim nos podemos exprimir, intensificar o fascinante paradoxo que faz mover a obra de Bernstein/Sondheim: por um lado, uma das mais exuberantes proezas dos artifícios espectaculares que definem a história do musical made in USA; por outro lado, um retrato íntimo da América (e do Sonho Americano) pontuado por insólitos detalhes realistas.
Há ainda, creio, outra maneira de dizer isto: "West Side Story" não é, de modo algum, um filme apostado em definir-se através de efeitos fáceis de "modernismo"; trata-se, isso sim, de reencontrar a vitalidade de matrizes clássicas que envolvem todos os elementos da mise en scène, do respeito pela verdade coreográfica dos corpos aos ritmos interiores da montagem.
Estamos, afinal, perante uma genuína passagem de testemunho. Ou ainda: um desses eventos maravilhosos através do qual o labor específico do cinema se afirma no seu presente, antes do mais porque se define a partir de um processo de revisitação e reinvenção do seu património. Rita Moreno será a pessoa ideal para nos dar conta de tal dinâmica — ela foi Anita no filme de 1961, regressando agora na personagem de Valentina.

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