crítica
O melodrama familiar — e mais além…
Daniele Luchetti, o realizador de "A Nossa Vida", reaparece nas salas portuguesas com mais um filme brilhante sobre as convulsões do espaço familiar — "Laços de Família" adapta um romance de Domenico Starnone.

joao lopes
6 Ago 2021 0:27
Daniele Luchetti é autor de uma dos mais notáveis melodramas familiares que o cinema italiano gerou neste século XXI: "A Nossa Vida" (2010), retrato íntimo das atribulações de um operário da construção civil magnificamente interpretado por Elio Germano. Agora, com o lançamento de "Laços de Família" (título de abertura de Veneza 2020), podemos confirmar a subtileza do seu talento e, em particular, a sua atenção às contradições dos impulsos amorosos.
O filme baseia-se no romance "Laços", de Domenico Starnone (edição em português: Alfaguara, 2018), seguindo os ziguezagues da vida de Aldo (Luigi Lo Cascio) e Vanda (Alba Rohrwacher) — ele confessa-lhe que está a ter um caso com outra mulher, segue-se uma separação e um assombramento que, com o passar dos anos, se "naturaliza" como nevrose partilhada pela família, incluindo os dois filhos do casal…
No seu esquematismo, a sinopse poderá fazer pensar numa variação sobre o modelo tradicional do "filme-sobre-adultério". Seria, talvez, um drama mais ou menos previsível, ainda que recheado de emoções. O certo é que "Laços de Família" evolui de acordo com uma outra lógica narrativa, integrando de forma surpreendente um tempo posterior (a acção começa nos anos 80, em Nápoles), com os filhos já adultos e os papéis de Aldo e Vanda a serem retomados, respectivamente, por Silvio Orlando e Laura Morante.
No limite, "Laços de Família" coloca em cena o esvaziamento de toda e qualquer ilusão romântica. Luchetti consegue filmar o cruel desfasamento entre os impulsos dos desejos e a racionalização que, de uma maneira ou de outra, sustenta uma relação a dois. Seria precipitado tentar rotular o filme de "pessimista" (ou "optimista") — o que está em cena é a tensão muito viva dos laços que unem e separam.
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