crítica
O Oeste para além da mitologia
"Mulher que Segue à Frente" evoca a relação da pintora Caroline Weldon com os índios Sioux e, em particular, com o chefe Touro Sentado — subitamente, recordamos o espírito crítico do "western" dos anos 60/70.
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8 Set 2018 19:39
O "western"? O regresso do "western"? Outra vez?… Provavelmente, sim. Enfim, não se dá o caso de "Mulher que Segue à Frente" ser surpreendente a ponto de o considerarmos como um título vocacionado para se tornar um clássico. Longe disso. Mas é um facto que não é todos os dias que deparamos com um objecto capaz de reactivar um certo espírito crítico do "western" dos anos 60/70 (Sam Peckinpah surge como referência modelar) e, em particular, da sua reavaliação das relações entre brancos e índios.
Trata-se, assim, de revisitar a história esquecida de uma mulher — a pintora americana de origem suíça Caroline Weldon (1844-1921) — que, em finais do século XIX, se tornou uma defensora dos direitos dos índios, tendo, em particular, retratado o lendário chefe Touro Sentado, da tribo dos Sioux. Recriada pelo talento de Jessica Chastain, Weldon surge, assim, como uma figura duplamente crítica: porque nos leva a reavaliar as memórias dos índios e, claro, porque era uma mulher num mundo dominado por figuras masculinas.
O filme nem sempre consegue sustentar de forma dramaticamente consistente o ziguezague entre a dimensão mais íntima da relação de Weldon com Touro Sentado (Michael Greyeyes) e as convulsões de um tempo em que as autoridades governamentais tentavam, muitas vezes pela força, que os índios se transferissem para reservas definidas e delimitadas pela administração central dos EUA; uma personagem decisiva, o coronel Silas Groves, é mesmo reduzida a um estereótipo moral, agravado pela banalíssima interpretação de Sam Rockwell.
Ainda assim, "Mulher que Segue à Frente" mostra-se capaz de nos (re)lembrar que a escrita da história — em particular de uma história tão convulsiva como a da expansão dos brancos para o Oeste dos EUA — é um processo sempre em aberto, procurando (re)alinhar factos e superar algumas formações mitológicas. E não deixa de ser simbolicamente sugestivo o facto de Weldon ter sido alguém que, em última instância, reconheceu um direito (também) fundamental às personagens dos índios. A saber: o direito à sua representação em imagem. Este é o quadro de Touro Sentado que ela pintou em 1890.
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