2 Jun 2017 0:38
A estreia da nova temporada de "Twin Peaks" (Showtime nos EUA, TV Séries em Portugal) repôs o nome de David Lynch na actualidade cinematográfica. E, muito em particular, através da reposição do filme que, em 1992, serviu, precisamente, para "prolongar" as duas primeiras temporadas da série televisiva. Ironicamente, trata-se de um recuo temporal, narrando o que aconteceu antes da morte da emblemática personagem de Laura Palmer (Sheryl Lee). Ou seja: "Twin Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer".
Vendo ou revendo o filme, provavelmente um dos efeitos mais envolventes das suas imagens (e sons) decorre da "homogeneidade" de tudo o que acontece. De facto, a noção corrente de que Lynch é alguém que parte do real para nos projectar no mundo dos sonhos está longe de nos ajudar a lidar com o seu universo. Bem pelo contrário, o seu cinema nasce para lá dessa noção, num tempo e num espaço em que real e surreal coexistem num misto de celebração e angústia.
Curiosamente, somos também levados a reconhecer que "Twin Peaks" (tanto a série como o filme) antecipa muitos elementos temáticos que, depois, passámos a reconhecer como interiores ao nosso mundo global. Há, em particular, um misto de curiosidade e desencanto em relação às personagens mais jovens, já não em conflito (ou comunhão, se fosse caso disso) com os mais idosos, antes numa dimensão existencial sem equivalente nem comunicação com tudo o resto — longe de ser um "sociólogo", Lynch é um criador que revela a liberalização do espaço da juventude, incluindo o seu afastamento do mundo dos adultos, como um processo de esvaziamento da sua própria identidade.