crítica
O realismo austero de Andrey Zvyagintsev
Foi um dos grandes filmes do último Festival de Cannes: "Sem Amor", do russo Andrey Zvyagintsev, chega, finalmente, ao mercado português numa altura em que está na corrida para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

joao lopes
3 Fev 2018 19:23
Em termos mediáticos, um dos efeitos mais perniciosos da "temporada dos prémios" e, em particular, da corrida aos Oscars é o apagamento público de muitos filmes. Dir-se-ia que só se fala daqueles três ou quatro títulos ("melhores" ou "piores", não é isso que está em causa) que podem ganhar alguns dos prémios principais… Como se o cinema fosse um campeonato que reproduzisse as atribulações das competições futebolísticas.
"Sem Amor", um notável drama familiar assinado pelo russo Andrey Zvyagintsev, será, por certo, infelizmente, um dos filmes mais penalizados por tal conjuntura mediática. O que, importa sublinhar, é tanto mais absurdo quanto se trata de uma obra que… está nos Oscars! É o candidato nomeado, em representação da Rússia, na categoria de melhor filme estrangeiro!
Foi também, aliás, um dos grandes filmes da última edição de Cannes (onde recebeu o Prémio do Júri). Em cena está uma criança, de nome Alyosha (Matvey Novikov), cujos pais (Maryana Spivak e Alexey Rozin) estão a viver um agitado processo de divórcio — cada vez mais marcado pela violência emocional que domina o ambiente caseiro, um dia, Alyosha desaparece…
Um esquema policial? Sim, sem dúvida, embora apenas como discreto motor narrativo. Fiel a um realismo austero, Zvyagintsev é um cineasta das mais subtis nuances do comportamento humano, desse modo (re)valorizando um cinema de contrastadas emoções em que descobrimos as personagens divididas entre o seu papel social e as suas vivências privadas — daí que "Sem Amor", sendo um objecto eminentemente russo nas referências e lugares, seja também um filme de enorme apelo universal.
Isto sem esquecer que as singularidades do trabalho de Zvyagintsev (recordemos "Leviatã", lançado em 2014) passam sempre pelas suas qualidades de director de actores. É com eles, e através deles, que o cineasta expõe a filigrana dos sentimentos humanos, num jogo constante de evidências e ilusões, máscaras cínicas e verdades irrecusáveis — além do mais, no papel da mãe, Maryana Spivak foi este ano, de longe, a mais espantosa actriz que vimos na competição de Cannes.
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