joao lopes
3 Out 2021 2:20
Há toda uma tradição do cinema francês centrada em personagens masculinas que, enfrentando situações especialmente dolorosas, dão mostras de uma fundamental ambivalência dramática — entre a força física ou psicológica e a mais estranha vulnerabilidade. Recentemente falecido, Jean-Paul Belmondo pode servir de exemplo modelar. Ou ainda, em tempos mais remotos, um ícone como Jean Gabin.
Até certo ponto, "Coisas de Homens", de Lucas Belvaux, é um filme herdeiro dessa tradição. Nele encontramos Gérard Depardieu a interpretar uma dessas personagens: velho e cansado, revoltado, à beira do intratável, ele é um ex-combatente da Guerra da Independência da Argélia — os traumas que transporta, agravando os seus conflitos no interior da pequena povoação rural em que vive, são, afinal, partilhados por toda uma geração de soldados.
O filme vale, antes do mais, pelas qualidades dos seus intérpretes: com Depardieu contracenam, por exemplo, Catherine Frot e Jean-Pierre Darroussin. Estamos, afinal, perante um labirinto de factos e memórias tanto mais perturbantes quanto aqueles soldados foram "reintegrados" nas suas famílias e comunidades através de um pesado silêncio que se abateu sobre as experiências violentas que viveram.
Belvaux aposta num ziguezague temporal que favorece uma curiosa estrutura coral: entre as cenas de passado e presente, vamos descobrindo um movimento (ou uma inércia) social que, de uma maneira ou de outra, assombra todas as relações humanas. Convenhamos que "Coisas de Homens" nem sempre domina muito bem essas alternâncias, mas sabe bem descobrir um trabalho consciente da sua herança temática e narrativa — e do peso dessa herança no património cinematográfico da França.