Christian Bale e Natalie Portman: a pulsão amorosa e o pressentimento do divino


joao lopes
3 Mar 2016 23:57

Convenhamos que a distribuição tem razões que a razão desconhece… Não é uma questão portuguesa, entenda-se. Neste caso, importa mesmo sublinhar que a estreia portuguesa de "Cavaleiro de Copas", de Terrence Malick, ocorre em Portugal exactamente ao mesmo tempo que nos EUA — que é como quem diz: mais de um ano depois da sua passagem no Festival de Berlim. Como é possível que isto aconteça a um filme de um cineasta como Malick, para mais com um elenco que inclui, entre outros, Christian Bale, Cate Blanchett e Natalie Portman?…

Por singular paradoxo, acontece que este é, à sua maneira, um filme sobre a urgência do presente. Ou melhor: sobre a construção, mental e sensorial, que elaboramos do nosso aqui e agora, nesse processo acabando por edificar a estrutura de um tempo único e irredutível.
Que tempo é esse? Muito simplesmente, mas também muito radicalmente, o tempo do amor. A demanda de Rick (Bale) surge pontuada pelas mulheres que, com ele, ou apesar de dele, lhe surgem como imagem efémera de uma redenção que nem ele sabe identificar: este é, afinal, um filme sobre o mais primitivo "quem sou eu?", reformulado numa paisagem de muitos artifícios e ilusões — ser ou não ser.
Que paisagem é essa? Pois bem, Hollywood. À procura de um lugar estável na indústria do cinema, Rick é um argumentista profissional que, de alguma maneira, vai confrontar-se com as ambivalências do mundo sonhado (a expressão "fábrica de sonhos" adquire, aqui, uma renovada pertinência), todos os dias decomposto e recomposto pelos enigmas das relações humanas.
Malick filma tudo isso a partir de um olhar ambivalente; como se fosse um "documentarista" que, em última instância, procura a fixação obssesiva dos instantes em que tudo, a paixão e o vazio emocional, a vida e a morte anunciada, parece poder encaixar-se numa ficção capaz de emprestar algum sentido a cada destino individual.
Sem dúvida por isso, "Cavaleiro de Copas", porventura ainda mais que "A Árvore da Vida" (2011) ou "A Essência do Amor" (2012), é um filme que se aproxima de uma respiração eminentemente musical — a ponto de a maior parte das falas das personagens não coincidirem obrigatoriamente com a sua presença nas imagens, gerando um sistema coral de factos e imaginações.
É um cinema de estranho romantismo. Não apenas pelo extremismo da sua pulsão lírica, mas porque perpassa por todos os instantes de "Cavaleiro de Copas" a sensação, sem dúvida perturbante, de que cada vida humana prossegue sempre à beira da mais irreversível decomposição. O amor conserva apenas uma hipótese divina que as personagens talvez consigam pressentir — e, de forma mais ou menos consciente, nós somos cúmplices delas.

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