George, Paul, John e Ringo em Washington — memórias quentes dos anos 60


joao lopes
15 Set 2016 15:56

Dir-se-ia que já não é possível dizer nada de novo sobre os Beatles… Tal dúvida nasce, afinal, de uma cultura mediática que confunde a "novidade" com a banal agitação dos canais globais de (des)informação. A questão não está tanto na "revelação" do que quer que seja, mas sim na capacidade de criar um discurso que não seja uma mera confirmação de clichés repetidos até à exaustão.

Em qualquer caso, novidades não faltam no admirável filme de Ron Howard, "The Beatles: Eight Days a Week". Desde logo, porque o filme termina com o registo integral, impecavelmente restaurado, do lendário concerto de 15 de Agosto de 1965, no Shea Stadium, em Nova Iorque (atenção: esse concerto surge DEPOIS do genérico do filme propriamente dito, para uma duração total de 2horas e 17 minutos).
Além do mais, a equipa de produção conseguiu reunir imagens (filme & fotografia) de espectadores que registaram os Beatles, durante a triunfal digressão americana, mas também em várias cidades europeias em que deram concertos — o resultado é um efeito de "álbum de família" tão inesperado quanto fascinante. Não se trata de evocar um saber adquirido, mas de voltar a olhar para um fenómeno que transcende a especificidade musical, já que pertence às muitas convulsões sociais, políticas e simbólicas da década de 60.
O resultado está muito para além de qualquer listagem de lugares-comuns sobre as cabeleiras, a histeria do público, as patéticas perguntas de alguns jornalistas… Claro que tudo isso lá está, mas não por razões anedóticas ou pitorescas. Como os Beatles fazem questão em sublinhar, esta é uma história de trabalho — como é que uma banda de amigos de Liverpool criou uma sonoridade e inventou uma pose capazes de contaminar tudo à sua volta.
Há ainda outra maneira de dizer tudo isto: é possível tratar as grandes referências mitológicas da cultura popular sem as reduzir a caricaturas mais ou menos ligeiras e, no fundo, sem pensamento. Por isso compreendemos porque é que, em 1966, John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr decidiram não dar mais concertos — afinal de contas, com o ruído dos fãs, já nem eles próprios conseguiam ouvir o seu trabalho. Na prática, só voltaram a fazer uma performance pública, a 30 de Janeiro de 1969, em Londres, no telhado do edifício da Apple.
Silêncio, que vão cantar os Beatles.

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