joao lopes
22 Set 2014 0:27
A possibilidade de descobrirmos ou redescobrirmos o lendário "Boy Meets Girl" (1984), de Léos Carax, permite-nos repetir que, ontem como hoje (recordemos o mais recente título de Carax, "Holy Motors", estreado há cerca de ano e meio entre nós), há um nicho do cinema francês que continua fiel a um certo romantismo, mais ou menos desencantado, herdado dos tempos heróicos da Nova Vaga.
Primeira longa-metragem de Carax, fotografada num belíssimo preto e branco por Jean-Yves Escoffier, "Boy Meets Girl" (que recebeu o não muito feliz título português "Paixões Cruzadas"), apresenta Denis Lavant, actor fetiche de Carax, como uma figura mais ou menos errante que quer fazer cinema — dir-se-ia que a sua permanente hesitação entre o cinema e a vida pode resumir a dor poética que habita este universo: como viver o cinema sem perder o sentido da vida? Ou ainda: de que modo esse sentido ecoa nos filmes que se fazem ou imaginam fazer?
Trinta anos depois, "Boy Meets Girl" está de novo nas salas, em cópia nova, restaurada, tal como "Má Raça/ Mauvais Sang" (1986), a segunda realização de Carax. Outras vez com Lavant, contracenando com duas jovens actrizes em ascensão — Juliette Binoche e Julie Delpy —, o filme (também fotografado por Escoffier, mas a cores) pode servir de símbolo esclarecedor de um tema transversal ao universo ficcional do cineasta. A saber: a procura de identidade de uma juventude que, num certo sentido, resiste a jogar o jogo dos adultos.
Enfim, já não é uma surpresa, mas importa sublinhá-lo: "Boy Meets Girl" e "Mauvais Sang" constituem mais dois exemplos de reposições que, ao longo dos últimos dois anos, adquiriram um papel importante nas dinâmicas (oferta e procura) do mercado cinematográfico português. Não se trata de menosprezar as muitas alternativas que a tecnologia passou a oferecer-nos. Trata-se, isso sim, de não esquecer os filmes enquanto objectos das salas escuras.