joao lopes
30 Abr 2021 0:24
Mesmo sem especial entusiasmo pelo labor especificamente cinematográfico de um filme como "Mais uma Rodada", de Thomas Vinterberg, é forçoso reconhecer-lhe a intensidade de um muito básico desencanto. Dito de outro modo: este não é exactamente um filme sobre o "tema" do alcoolismo, antes uma constatação da existência de uma verdadeira cultura do álcool.
Na verdade, o retrato do professor Martin (Mads Mikkelsen, apenas a gerir a irrecusável imponência da sua figura) não é exactamente a saga de "um" homem dependente do álcool, antes o sintoma de um modo de consumo realmente transversal — entre gerações e diferentes lugares sociais. Nesta perspectiva, "Mais uma Rodada" poderá ser definido como (mais) uma variação sobre aquele que me parece continuar a ser o título mais consistente da filmografia de Vinterberg: "A Festa" (1998).
Por um lado, há em Vinterberg uma agilidade visual que já se transformou num efeito de assinatura: trata-se de filmar como se se estivesse "apenas" a registar o jogo de improvisos dos actores (o que, entenda-se, não deixa de gerar momentos interessantes). Por outro lado, a "mensagem" das suas narrativas tornou-se um cliché: em última instância, a deriva individual é apenas a expressão das ilusões do colectivo.
Um conto moral, enfim: o cepticismo de um filme como "Mais uma Rodada" funciona como espelho ambíguo de um tempo (o nosso, obviamente) em que nos satisfazemos com a contemplação catártica daquilo, ou daqueles, que "multiplicam" os equívocos e limites dos nossos laços sociais. Nesta perspectiva, ao testarem os limites da sua própria resistência ao álcool, Martin e os outros professores, seus colegas, funcionam como simulacros da nossa descrença no colectivo — mesmo tocando em alguma verdade, o cinema que os encena parece igualmente iludido pela sua própria vertigem.