1 Set 2017 15:23
E se a temporada de Verão terminasse, simbolicamente, com um grande acontecimento… musical? Isto depois, claro, do regresso de dois clássicos, musicais, precisamente, de Jacques Demy ("Os Chapéus de Chuva de Cherburgo" e "As Donzelas de Rochefort"). E se "Stop Making Sense" (1984), o extraordinário filme-concerto de Jonathan Demme (1944-2017), com os Talking Heads, nos viesse mostrar que, afinal, há um conceito de mercado para o Verão que, pedagogicamente, não esquece a riqueza do património cinematográfico?
Em boa verdade, a questão talvez seja mais simples. E mais desarmante. A célebre "temporada de Verão" não existe a não ser como um período em que as campanhas promocionais de "blockbusters" e afins ("bons" ou "maus", não é isso que está em causa…) adquirem uma dimensão (ainda) mais ruidosa e compulsiva. Acontece que, apesar de tudo, não se desvaneceu a noção de que tal período sinalizado pelo calendário pode ser um bom pretexto para reencontrar memórias fundamentais — e "Stop Making Sense" é um exemplo precioso de tais memórias.
Vale a pena lembrar que, num certo sentido, os Talking Heads de David Byrne — então a promover o seu quinto álbum de estúdio, "Speaking in Tongues" — eram mais famosos (não confundir com as utilizações correntes do adjectivo) que o próprio Demme. Este ainda não tinha dirigido "Selvagem e Perigosa" (1986) e "Viúva… Mas Não Muito" (1988), afirmando-se como um bom exemplo de uma certa produção directa ou indirectamente enraizada na herança dos clássicos de "série B" (lembremos o sofisticado "O Último Abraço", "thriller" com Roy Scheider lançado em 1979; e lembremos também que faltam sete anos para "O Silêncio dos Inocentes").
Estava-se em finais de 1983. Encontrando-se no Pantages Theater, em Hollywood (onde, nas décadas de 40/50, se tinham realizado várias cerimónias dos Oscars), a banda e o cineasta colaboraram no sentido de criar um evento serenamente encenado para celebrar o ritmo e a sensualidade da música dos Talking Heads. É um exemplo modelar do modo como o pop/rock também gosta dos espaços fechados — a sua discreta elegância, aliada a uma admirável vibração do espaço teatral, fazem com que, mais de trinta anos depois, o sintamos como um evento intensamente presente.