joao lopes
8 Dez 2016 23:45
Foi em 1966 que surgiu a primeira edição de "Le Cinéma selon Alfred Hitchcock", um livro que mudou, não apenas a visão da obra de Hitchcock (1899-1980), mas também as formas correntes de abordar e entender o cinema dito "comercial" — com o seu livro/entrevista, François Truffaut, na altura uma das figuras emblemáticas da Nova Vaga francesa, transfigurou as próprias relações do jornalismo com os filmes.
O filme "Hitchcock/Truffaut", realizado pelo americano Kent Jones, crítico, investigador e programador, pode resumir-se como uma deliciosa homenagem cinéfila à obra de Hitchcock, seguindo uma lógica tradicional de documentarismo (entrevistas, extractos de filmes, imagens de arquivo, etc.), mas com uma nuance que está longe de ser secundária — Jones pôde aceder à gravação da própria conversa Hitchcok/Truffaut (registada em 1962) que serviu de matéria ao livro (cuja edição definitiva surgiu em 1993, cerca de nove anos passados sobre o falecimento de Truffaut).
Não se trata, entenda-se, de um simples repositório dessa conversa. Aliás, não poderia ser de outro modo: os dois cineastas dialogaram ao longo de mais de uma semana, acumulando várias dezenas de horas de gravação… Acontece que, num misto de celebração e didactismo, Jones sabe integrar alguns dos seus extractos (incluindo a voz da tradutora, Helen Scott) para criar uma teia de leitura da obra de Hitchcock, seus temas e linguagens.
A inclusão de vários depoimentos de realizadores americanos e europeus — Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Arnaud Desplechin, etc. — acaba por fornecer uma fundamental pontuação a "Hitchcock/Truffaut". Através de tais depoimentos, compreendemos a importância de Hitchcock na exploração das potencialidades das imagens e dos sons, nessa medida gerando uma especialíssima galeria de discípulos — ele é um clássico, sem dúvida, sempre moderno.