joao lopes
29 Ago 2014 1:04
Já não é uma hipótese. Tornou-se uma prática frequente de distribuidores e exibidores do mercado cinematográfico português: os grandes clássicos, mais ou menos distantes no tempo, estão a regressar ao circuito comercial, permitindo a muitos espectadores (sobretudo mais jovens) descobri-los no lugar — o ecrã da sala escura — para que foram concebidos.
A novidade chama-se, agora, "A Desaparecida" (título original: "The Searchers"), sendo uma das obras escolhidas — a par desse filme único e fascinante que é "E Agora? Lembra-me", de Joaquim Pinto — para a abertura do novo cinema Ideal, em Lisboa.
"A Desaparecida" constitui uma das referências mais lendárias da história e da mitologia do "western". Dirigido por John Ford em 1956, nele encontramos uma saga familiar que já não corresponde à visão utópica de um Oeste de heroísmo abstracto, antes coloca em cena as diferenças e tensões entre brancos e índios.
Basta dizer que o filme se centra no rapto da jovem Debbie por um grupo de Comanches. Durante os cinco anos em que ela é procurada pelo seu tio Ethan, vai-se instalando uma hipótese perturbante: será que Debbie ainda se reconhece na família onde nasceu ou, na passagem da infância à adolescência, construíu uma nova identidade?
Com John Wayne no papel de Ethan e a muito jovem Natalie Wood a interpretar Debbie (Lana Wood, irmã mais nova de Natalie, é quem surge como Debbie, nas cenas de infância), "A Desaparecida" emerge, afinal, de um contexto em que a visão do velho Oeste, além de se distanciar de alguns maniqueísmos morais e ideológicos das origens de Hollywood, integra cada vez mais personagens de enorme complexidade afectiva.
Tradicionalmente, Ethan é considerado, não apenas um dos momentos altos da carreira de John Wayne, mas também, indissociavelmente, uma das figuras mais enigmáticas e ambivalentes da filmografia de Ford. Com um passado obscuro na Guerra Civil (que terminou há três anos no momento em que o filme começa), ele é, afinal, o símbolo de uma América a passar da euforia mitológica para o realismo cru da história — razões de sobra para redescobrir "A Desaparecida", não apenas como um marco do "western", mas também como uma imaculada obra-prima no interior do classicismo de Hollywood.