joao lopes
7 Abr 2017 0:41
Mais do que nunca, importa (re)valorizar o facto de o género documental ter deixado de ser um parente pobre no panorama corrente da exibição cinematográfica — passou mesmo a ser uma presença regular na oferta da distribuição/exibição.
A sua proliferação envolve, por vezes, alguns banais efeitos de moda? É verdade que sim, mas isso não nos impede de reconhecer as muitas revelações que têm vindo dessa área — "Paula Rego, Histórias & Segredos" pode ser uma magnífico exemplo.
Eis a questão: como filmar o universo de Paula Rego? Digamos que a pergunta pressente, desde logo, a complexidade artística e humana do que está em jogo. Mas importa acrescentar uma fascinante ambiguidade: como ser cineasta e filmar o universo criativo da sua mãe? É verdade: este é um filme dirigido por Nick Willing, filho de Paula Rego — e, como seria inevitável, isso está longe de ser um detalhe secundário.
Willing evita a facilidade de querer convencer o espectador de que o seu acesso privilegiado à personagem retratada lhe confere qualquer "vantagem". Este é mesmo um filme construído, antes do mais, a partir da perplexidade do filho que, logo no início, nos confessa que ficou surpreendido com a disponibilidade de Paula Rego, num misto de desassombro e serenidade, falar de muitas memórias de absoluta intimidade — assistimos, assim, a um genuíno processo de revelações.
O mais notável é o modo como tudo isso se vai entrelaçando para gerar um invulgar retrato cinematográfico. "Paula Rego, Histórias & Segredos" é isso mesmo que está condensado no título. A saber: uma deambulação de palavras e imagens que nos ajuda a sentir (ainda mais) as vibrações internas de um admirável universo pictórico. Ou como o cinema se faz e refaz através da cumplicidade com as outras artes.