26 Abr 2018 0:52
Cinema político?… Convenhamos que a expressão ficou marcado pelos maniqueísmos gerados em alguns contextos políticos, precisamente (incluindo Portugal). De facto, qualquer filme, nem que seja por denegação, envolve alguma perspectiva política sobre o mundo à sua volta. Evitando ceder à facilidade das grandes generalizações mediáticas, lembremos apenas que temos tido poucos filmes que tratem os bastidores da própria cena política — "A Morte de Estaline" é uma excepção.
Realizado pelo escocês Armando Iannucci, autor da série "The Thick of It" (e do filme por ela gerado, "In the Loop", produzido em 2009), "A Morte de Estaline" não nasce de uma investigação da própria história, mas sim de uma banda desenhada francesa, "La Mort de Staline", da autoria de Fabien Nury e Thierry Robin. Quer isto dizer que não estamos perante um objecto de "reconstituição", mas sim face a uma encenação que assume, até às últimas consequências, o seu artificialismo.
Que artificialismo? Pois bem, aquele que decorre de um calculado e requintado tom de farsa. Somos, assim, confrontados, com os dias anteriores à morte de Estaline (Adrian McLoughlin) e, em particular, com os seus métodos ditatorias que se exprimem tanto nas listas de assassinatos que "encomenda" a Lavrentiy Beria (Simon Russell Beale), como na manipulação dos seus cúmplices mais próximos. Quando morre, dir-se-ia que toda a sua gestão se reproduz através de uma teia de oportunimos, traições e mais crimes.
Iannucci filma tudo isso através de um cuidado balanço entre a sugestão realista e a irrisão burlesca. Personagens como Vyacheslav Molotov (Michael Palin), Georgy Malenkov (Jeffrey Tambor) ou Nikita Khrushchev (Steve Buscemi) surgem, assim, como peões de um cenário assombrado por um humor muito negro, sempre à beira do absurdo, afinal reflectindo um sistema letal de relações (des)humanas. Em resumo: cruzar as memórias políticas com a energia cáustica da comédia pode ser um bom empreendimento moral.