crítica
Política, memórias e solidão
O cineasta russo Andrei Konchalovsky continua a ser um paciente e obstinado analista da história colectiva: em "Caros Camaradas!", revisita o ano de 1962, para abordar um episódio trágico da vida da URSS

7 Mai 2021 0:00
Lyuda, a personagem central de "Caros Camaradas!" (interpretada pela extraordinária Yuliya Vysotskaya) vive numa encruzilhada em que o sentido comunitário se vai transfigurando em desesperada solidão. Por um lado, face à repressão exercida pelas forças do seu próprio partido — o Partido Comunista da URSS —, não pode deixar de sentir um profundo desgosto; por outro lado, numa idealização à beira do delírio, esforça-se por continuar a acreditar naquilo que seria a "pureza" dos seus ideais, ilusoriamente vividos na época de Estaline.
Dito de outro modo: "Caros Camaradas!" é um filme ágil e subtil que sabe colocar em cena uma dinâmica colectiva sem perder de vista as contradições individuais. Mais concretamente, trata-se de abordar um episódio trágico do comunismo na URSS: em 1962, uma greve dos trabalhadores de uma fábrica de locomotivas, na cidade de Novocherkassk, foi violentamente reprimida pelo exército e elementos do KGB, tendo sido mortas, a tiro, durante uma manifestação, várias dezenas de pessoas.