joao lopes
26 Jan 2017 23:54
Felizmente, a política de reposições no mercado cinematográfico português ganhou novo fôlego desde que, há alguns anos, alguns títulos clássicos de Alfred Hitchcock ("Vertigo"), David Lean ("Lawrence da Arábia") ou Stanley Kubrick ("2001: Odisseia no Espaço") voltaram a estar nas salas escuras. Actualmente, Wim Wenders é o nome em destaque, através de uma proposta da Leopardo Filmes.
"O Estado das Coisas" (1982) foi o primeiro dos filmes a regressar, aliás com uma justificação importante — trata-se de uma obra intimamente ligada a cenários portugueses. Agora, surge "As Asas do Desejo" (1987), uma fábula sobre anjos a pairar sobre cenários de Berlim cujas ressonâncias simbólicas continuam a tocar-nos de modo muito particular .
Dir-se-ia que Wenders quis encenar a cidade de Berlim como uma paisagem ferida pela presença cruel e perturbante do Muro — é caso para dizer que a história se encarregou de ilustrar o desejo de libertação que perpassa no filme, uma vez que o Muro de Berlim caíu apenas dois anos mais tarde. Os anjos (Bruno Ganz é um dos seus intérpretes) são, afinal, aqueles que garantem que o poder da imaginação humana não será destruído pela violência física ou moral da história colectiva.
Ver ou rever agora "As Asas do Desejo" (e é bem provável que para os espectadores mais jovens seja uma revelação absoluta) envolve a revalorização de um poder específico do cinema, tão primitivo quanto fascinante. A saber: o máximo artifício narrativo pode combinar-se com os dados mais concretos da história dos seres humanos, como se o cinema fosse, de uma só vez, uma garantia de realismo e uma hipótese de utopia.