O cante alentejano no espaço escolar: revisitando o passando, valorizando o presente


joao lopes
19 Set 2014 0:34

De que falamos quando falamos de documentário? Lembremos apenas o mais simples. Ou seja: um filme documental ajuda-nos a saber/conhecer; ajuda-nos sobretudo a ter em conta como as coisas existem. As coisas, entenda-se: também as pessoas, sobretudo as pessoas.

"Alentejo, Alentejo", de Sérgio Tréfaut, é um objecto que nos ajuda a entender o encanto, a beleza e o poder de comunicação dos tradicionais cantares alentejanos. Como? Começando por recusar a via mais simples e, por certo, mais fácil: a de tratar a tradição como uma espécie de curiosidade pitoresca que sirva para sustentar uma qualquer retórica turística ou, pior ainda, para animar o populismo televisivo. O que está em jogo é bem diferente: a redescoberta das sonoridades alentejanas enraiza-se numa dinâmica viva de passado/presente.
Nomes como os Camponeses de Pias, os Cantadores de Aldeia Nova de São Bento ou o Grupo da Casa do Povo de Serpa (e estou apenas a citar algumas das entidades que colaboraram no filme) surgem, assim, numa dupla e fundamental qualidade: por um lado, são herdeiros directos daqueles cantares — o chamado cante alentejano — e da sua energia poética e simbólica; por outro lado, existem como manifestação de uma atitude que vê o passado como algo que importa reconverter para as manifestações do presente.
Daí que "Alentejo, Alentejo" documente, não apenas os próprios cantares, mas a sua inserção no quotidiano dos nossos dias, incluindo no espaço específico da escola. Há mesmo uma cena tocante (com o grupo Os Rouxinóis da Damaia — ver foto) em que deparamos com um ensaio, numa escola, que concentra uma ideia fundamental: a de que a transmissão da tradição não se faz convocando uma nostalgia mais ou menos piedosa, mas sim através da permanente associação do gosto de descobrir e do trabalho que enriquece esse gosto.

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