joao lopes
30 Mai 2015 21:46
No actual contexto cinematográfico, em muitos aspectos condicionado por um imaginário "infantil", promovido por um marketing de enorme poder global, deixámos de dar a devida atenção ao cinema que envolve um testemunho político actual e sobre a actualidade. "Timbuktu", de Abderrahmane Sissako, é um filme que importa ter em conta, antes do mais, justamente, pela sua essencial dimensão política.
Ainda que sem ter ganho qualquer prémio da competição oficial, "Timbuktu" foi um acontecimento marcante do Festival de Cannes de 2014. Depois, o filme viria a ser nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro, em representação da Mauritânia, obtendo a sua consagração nos Césares do cinema francês, onde arrebatou nada mais nada menos que sete prémios, incluindo melhor filme e melhor realização.
A virtude maior de "Timbuktu" provém do didactismo da sua construção. Tudo acontece, assim, numa pequena comunidade do Mali, em grande parte formada por pastores e respectivas famílias. As rotinas do seu quotidiano são subitamente postas em causa pela ocupação de um grupo de fundamentalistas islâmicos — desde as vestes das mulheres até à prática do futebol, tudo é posto em causa pelas regras ditatoriais dos ocupantes.
Com formação e experiência que não são estranhas ao domínio documental, Sissako elabora o seu filme a partir de uma fundamental dimensão realista. Estamos, afinal, perante um cinema que reage ao maniqueísmo de muitos estereótipos informativos, empenhando-se em dar conta das existências particulares de personagens concretas.
Nesta perspectiva, importa não esquecer que "Timbuktu" denuncia os crimes cometidos em nome da religião, mas é também um filme de exaltação de um Islão de abertura e tolerância — a dimensão política envolve essa agilidade do olhar e do pensamento.