crítica
Reproduzir a memória, quer dizer, transformá-la
Esta evocação do tropicalismo brasileiro começa em Portugal, mais precisamente através de imagens do programa "Zip Zip" — Marcelo Machado faz um documentário que tem tanto de evocação como de reavaliação crítica.

joao lopes
25 Abr 2014 23:30
Como se prova pelo início do filme "Tropicália", de Marcelo Machado, o tropicalismo passou por Portugal. Porquê? Porque começamos por ver (ou rever) Caetano Veloso e Gilberto Gil no palco do Teatro Villaret, em Lisboa, no dia 4 de Agosto de 1969 — estão a participar no programa "Zip Zip", da RTP, e depois de cantar conversam com Carlos Cruz e Raul Solnado…
O tropicalismo foi, afinal, um fenómeno genuinamente brasileiro, não deixando de existir também através de uma pulsão visceralmente universal, globalizante como hoje diríamos. Para além das preciosidades de arquivo que nos dá a ver & ouvir (sendo os minutos do "Zip Zip" uma delas), o filme de Marcelo Machado tem o mérito de mostrar que se estava a viver algo indissociável das lógicas plurais, por vezes contraditórias, da chamada contracultura da década de 60.
"Tropicália" consegue, assim, convocar as personalidades marcantes do que estava a acontecer: além de Caetano e Gilberto, o filme vai sendo pontuado pelas presenças emblemáticas de Rita Lee, Tom Zé, Nara Leão, Gal Costa, etc. Ao mesmo tempo, trata-se de não reduzir os acontecimentos a uma explosão artística (que o foram, sem dúvida), estabelecendo pontes com as convulsões políticas e militares da sociedade brasileira.
Daí a curiosa liberdade formal que, por vezes, é assumida pelo filme. Muitos materiais de arquivo, desde registos de concertos até entrevistas televisivas, são retrabalhados como se fizessem parte de uma espécie de "telediscos" que resistem às ilusões de qualquer causalidade maniqueísta. Dito de outro modo: a arte de reproduzir a memória implica sempre alguns gestos de distanciação e transformação.
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