joao lopes
17 Mar 2017 1:00
É pena que, entre nós, a descrição do audiovisual brasileiro seja, muitas vezes, reduzida às suas variações "telenovelescas". Tal (falta de) visão priva-nos de conhecermos a diversidade de uma produção que, noutros tempos, ainda sob o efeito do Cinema Novo — Glauber Rocha, Carlos Diegues, Leon Hirszman, etc. —, teve uma presença efectiva no mercado português.
Tanto bastaria para sublinharmos a importância da estreia de um filme como "Aquarius", escrito e realizado por Kleber Mendonça Filho, aliás um dos objectos de culto da edição de 2016 do Festival de Cannes onde, em qualquer caso, acabou por não obter qualquer distinção — Sonia Braga chegou mesmo a ser apontada como principal candidata ao triunfo de melhor interpretação feminina.
Ela interpreta uma mulher de 65 anos que exerceu a profissão de crítica de música e, depois de superar um problema grave de saúde, encara o edifício em que vive (de nome ‘Aquarius’) como o lugar final da sua existência. O certo é que o seu desejo de paz e privacidade é abalado pela entrada em cena de um empresa imobiliária que não vê a conservação dos prédios mais emblemáticos como uma prioridade…
Podemos inventariar uma série de temas de ressonância universal que perpassam na narrativa de Kleber Mendonça Filho — desde as marcas do envelhecimento até à gestão do espaço urbano, passando pelo diálogo entre as gerações. O certo é que "Aquarius" nunca se reduz a uma "ilustração" de temas, vivendo antes da metódica valorização das suas personagens e respectivas relações.
Sonia Braga é brilhante na composição dessa mulher, de nome Clara, que não quer abdicar da sua independência e do direito a definir as coordenadas da sua vida. Acima de tudo, encontramos aqui uma velha arte de caracterização psicológica que não cede a modernismos postiços ou formalismos fáceis — se a estreia de "Aquarius" for sinal de alguma (re)descoberta da produção brasileira, tanto melhor.