joao lopes
22 Jul 2019 0:18
Será "Ran – Os Senhores da Guerra" (1985) um dos filmes nucleares na filmografia do japonês Akira Kurosawa (1910-1998)? Confesso as minhas dúvidas. Há nele um "decorativismo" algo ostensivo a que sempre resisti — o que, como é óbvio, não invalida o reconhecimento da sua ousadia ao abordar os conflitos do Japão medieval através de uma retranscrição da narrativa de "O Rei Lear", de William Shakespeare.
Seja como for, relativizemos. E, acima de tudo, não percamos de vista o significado comercial — e, nessa medida, a importância cultural — de uma reposição de "Ran", aqui e agora, num mercado que reduziu a mínimos dramáticos a relação com a(s) memória(s) do cinema. Para mais, trata-se de um regresso em cópia restaurada em 4K, ilustrando assim um simples facto tantas vezes menosprezado: essa relação existe, não por qualquer nostalgia serôdia, mas através dos mais sofisticados recursos proporcionados pelo estado presente da tecnologia audiovisual.
Será interessante lembrar que "Ran" surgiu como uma espécie de objecto "paralelo", algo perverso, às tendências do espectáculo da época. Para nos ficarmos por alguns dos grandes sucessos de 1985, lembremos que esse foi também o ano de "Regresso ao Futuro" (Robert Zemeckis), "Rocky IV" (Sylvester Stallone) e "África Minha" (Sydney Pollack). De facto, a história não se repete e, em 2019, "Ran" emerge como símbolo frágil de um gosto pela preservação da memória que as formas mais aceleradas de consumo, pura e simplesmente, ignoram.