joao lopes
31 Jan 2019 19:24
Sobre Vincent van Gogh (1853-1890), podemos dizer que é uma personagem eminentemente cinematográfica. O cruzamento do génio criativo com a dimensão trágica da sua existência confere-lhe um especialíssimo apelo dramático. Em 2017, por exemplo, redescobrimo-lo mesmo no insólito "A Paixão de Van Gogh", singular exercício de animação produzido por entidades britânicas e holandesas.
Através de "À Porta da Eternidade", Julian Schnabel (um pintor, hélas!) propõe uma aproximação mais clássica, até certo ponto biográfica. E convém sublinhar: até certo ponto. De facto, não se trata de fazer um inventário de peripécias "sugestivas", à maneira dos mais convencionais telefilmes, antes de partir da solidão primordial da personagem para (re)lançar uma ideia romântica da arte como ruptura de qualquer visão determinista ou moralista da experiência humana.
Nesta perspectiva, e para além das muitas diferenças que possamos enumerar, "À Porta da Eternidade" é um legítimo herdeiro de experiências tão extremas e fascinantes como "A Vida Apaixonada de Van Gogh" (1956), de Vincente Minnelli, ou "Van Gogh" (1991), de Maurice Pialat. Em Schnabel, como em Minnelli ou Pialat, manifesta-se uma obsessão muito particular — não exactamente mostrar como os quadros de Van Gogh dão a ver o mundo, antes como renegam as suas evidências, abrindo a hipótese de uma outra visão.
Há, assim, em "À Porta da Eternidade" um envolvimento narrativo que, embora preservando os sinais de algum realismo, aceita ser contaminado pelos silêncios, dores e fantasmas da sua personagem central. Neste sentido, estamos perante uma recriação muito física da experiência artística de Van Gogh. Dois factores são fundamentais para que tal aconteça: primeiro, a brilhante composição de Willem Dafoe (nomeado para o Oscar de melhor actor), doando-nos um Van Gogh de radical humanidade; depois, o prodigioso trabalho de direcção fotográfica de Benoît Delhomme, refazendo em matéria cinematográfica a densidade de formas e cores que o pintor nos legou.