crítica
Rock & política
Vencedor do prémio de melhor banda sonora em Cannes/2018, "Verão" é uma evocação da energia e das atribulações do rock'n'roll nos anos 80 soviéticos — tudo filmado num preto e branco capaz de instalar uma sensação contagiante de "reportagem".
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31 Mai 2019 0:15
Foi um dos momentos emblemáticos do Festival de Cannes de 2018, e tanto mais quanto a sua peculiar energia passa pelos sons do rock’n’roll da União Soviética. É verdade: "Verão" evoca a cena underground de Leninegrado na primeira metade da década de 80. E mesmo evitando os maniqueísmos fáceis, convém sublinhar que muitos dos desejos de transformação que desembocariam na Perestroika se disseram (e cantaram) por música.
A realização de Kirill Serebrennikov enraiza-se, aliás, em factos verídicos e, muito em particular, nas atribulações da banda Kino, liderada pelo lendário Viktor Tsoi (1962-1990), interpretado por Teo Yoo. A Kino e a Zoopark, de Mike Naumenko (Roman Bilyk), definiram, afinal, os valores mais viscerais de um rock visceralmente político, não por qualquer filiação num "aparelho", antes pelos sinais de transformação que continham ou imaginavam.
A opção de utilização das imagens a preto e branco poderá ter algum resquício de nostalgia, mas é também uma maneira de "aproximar" o filme de certas matrizes documentais que, de uma maneira ou de outra, pontuavam muitas experiências cinematográficas da época. Daí que "Verão" consiga a proeza de conciliar as singularidades da ficção com uma sensação, paradoxal e libertadora, de reportagem.