joao lopes
20 Jun 2014 2:13
Dois desafios insólitos e interligados: em primeiro lugar, adaptar um romance como "O Homem Duplicado" (2002), de José Saramago, em que um homem descobre um sósia nas imagens de um filme; depois, conseguir sustentar, enquanto actor, essa dupla interpretação em que dois homens "iguais" vão evoluindo, dir-se-ia desafiando a hipótese de um deles ocupar o lugar do outro…
O menos que se pode dizer do filme "O Homem Duplicado" é que há nele uma subtil energia em que, de facto, a dupla composição de Jake Gyllenhaal importa ser devidamente destacada. Um pouco como Jeremy Irons no papel dos gémeos de "Irmãos Inseparáveis" (David Cronenberg, 1988), Gyllenhaal sabe expor as suas duas personagens através de óbvias diferenças e, depois, superar a dificuldade — material e estética — que consiste em contracenar com a sua própria imagem. Dir-se-ia um "to be or not to be" em versão de thriller psicológico.
Adam Bell, um professor universitário, e Denis St. Claire, um actor, emergem, assim, como expressão carnal de um dilema interior: quando dizemos "eu", até que ponto podemos ser "outro"? Ou ainda: quantos "outros" há em cada "eu"? E se o filme realizado pelo canadiano Denis Villeneuve consegue ser tão directo e perturbante, isso resulta também da contenção com que é apresentada esta parábola filosófica sobre a identidade do homem moderno — em boa verdade, o fantástico nasce, aqui, do mais cândido quotidiano.
Villeneuve, de quem vimos recentemente "Raptadas" (2013), sustenta tudo isso com uma sobriedade que dispensa qualquer espalhafato de "efeitos especiais", acreditando, acima de tudo, na versatilidade dos seus actores. Além de Gyllenhaal, importa destacar Mélanie Laurent e Sarah Gadon, magníficas na exposição da natureza humana e das suas enigmáticdas ambivalências.