Hazar Ergüçlü e Dogu Demirkol — entre o visível e o invisível


joao lopes
30 Mar 2019 0:04

Os filmes definem-se, não exactamente através daquilo que acontece nas suas histórias, mas sim pelos acontecimentos cinematográficos que ocorrem na arquitectura das suas histórias. Digamos, então, para simplificar, que o turco Nuri Bilge Ceylan é um cineasta em que cada paisagem é um desses acontecimentos, preciso e fundamental.

Efeito fotográfico? Não exactamente (mesmo se é verdade que Ceylan se distingue também como notável fotógrafo). O extraordinário "A Pereira Brava" pode servir de esclarecedor exemplo: os cenários rurais a que regressa o protagonista Sinan (Dogur Demirkol) não são, de modo algum, enquadramentos "pitorescos" da sua saga emocional — são, isso sim, elementos dramáticos da discussão do seu destino.
Sinan é um homem, ainda jovem, que terminou os estudos universitários. O regresso à terra natal, mesmo se envolve alguma nostalgia (o que é duvidoso…), visa, sobretudo, a procura de meios para editar um livro. Dito de outro modo: homem das atribulações da escrita, Sinan vai deparar com um mundo difícil de descrever na sua desagregação dos laços sociais e também no cruel silêncio que se instalou entre as gerações.
Ceylan é esse cineasta do visível que sabe confrontar-nos com os mecanismos invisíveis que determinam o comportamento das personagens. Daí que "A Pereira Brava" tenha tanto de drama intimista como de desesperada interrogação filosófica sobre aquilo que define uma identidade — filmando os movimentos de um pequeno colectivo, Ceylan toca nos mistérios radicais do eu. Será preciso acrescentar que estamos perante um dos acontecimentos deste ano cinematográfico?

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